A Internet nos anos 2020 (parte 1): O Capitalismo de Vigilância

Alexa com orelhas conectadas a ela https://www.engadget.com/2019-04-30-hey-alexa-how-can-we-escape-surveillance-capitalism.html

Muitas pessoas das gerações passadas, principalmente os millennials, crescidos nos anos 90, viveram com a ideia otimista e utópica de que a internet, finalmente, nos libertaria do sistema de exploração capitalista, da servidão, e enfim, do caminho de uma distopia Orwelliana. E não dá para culpá-los: no fim dos anos 90 e início dos anos 2000, ainda havia um grande movimento pelo Software Livre e Software Open Source, havia bastante discussão em torno da liberdade de compartilhamento de arquivos e do copyright, com a criação do Napster, Gnutella, BitTorrent, a popularização do The Pirate Bay, e até mesmo a criação do Partido Pirata da Suécia (Piratpartiet), principal frente política [no parlamento] pela garantia dos direitos online dos cidadãos.

Entretanto, ao nos depararmos agora com o final do ano de 2021, simplesmente, essa ideia de uma “internet revolucionária” é bem difícil de acreditar.

Corporações criaram um novo capitalismo, talvez o mais capitalista dos capitalismos, enquanto “hackeam” a privacidade da população, criaram bolhas sociais que radicalizam e dividem mais as pessoas, criando a proliferação da desinformação como nunca antes vista, tendo como resultado a grande descrença nas instituições públicas e científicas.

Ao invés do fortalecimento da democracia e da emancipação do povo, há uma ascensão do autoritarismo, com a extrema-direita sendo eleita ao redor do mundo.

Com isso, pretendo fazer uma série de artigos expressando, pelo menos, a minha visão sobre a situação da internet no mundo atual e, junto à possíveis soluções de resistência na internet para esta década.

O Capitalismo de Vigilância

Foto de grafite “You’ve been Zucked” https://popartmediagroup.co.uk/social-media-is-drastically-changing/youve-been-zucked/

A coleta de dados desenfreada pelas corporações em busca do acúmulo de capital, foi batizada de “Capitalismo de Vigilância” pela psicóloga social Shoshana Zuboff. Em seu livro “A Era do Capitalismo de Vigilância”, publicado em 2019, Shoshana afirma:

“ O Capitalismo de Vigilância unilateralmente reivindica a experiência humana como matéria-prima gratuita para tradução em dados comportamentais, que são declarados como um ‘excedente comportamental’ proprietário, alimentados em processos de manufatura avançados, conhecidos como ‘inteligência de máquina’ e utilizados em produtos de previsão que antecipam o que fazer agora, em breve e depois.”

O Excedente Comportamental

Note que o “excedente comportamental” é um conceito chave para entender o capitalismo de vigilância. Para explicar esse termo, Shoshana traça uma referência à mais-valia de Karl Marx. Basicamente, a mais-valia é definida por Marx como sendo a parcela de trabalho que não é paga ao operário. Essa parcela pode ser ampliada estendendo a duração da jornada de trabalho, mantendo o salário constante (mais-valia absoluta) ou ampliando a produtividade física do trabalho utilizando máquinas (mais-valia relativa).

Segundo Shoshana, algo semelhante vai ocorrer nas relações do capitalismo de vigilância. Nele, as empresas se apropriam das informações colaterais produzidas pelos usuários e obtêm lucro sem pagar a eles. Tenha como exemplo a Google, dado pela própria autora: se um usuário realiza uma pesquisa, o que o Google retorna a ele é apenas uma parte do que foi produzido por ele próprio. A outra parte, o excedente, que são as informações que ele solicitou, é transformado em propaganda, que é usado pela Google para lucrar.

Tais serviços que usamos, da Google, Facebook e Twitter, por exemplo, acabam não sendo tão “gratuitos” assim…

Imagem de Atualização de Privacidade do TikTok https://www.dexerto.com/entertainment/tiktok-privacy-policy-update-infuriating-users-with-pop-up-message-1588023/

Empresas como o TikTok oferecem até mais algumas migalhas, como dinheiro, para quem criar uma conta. Não é preciso nem pensar muito para se chegar a conclusão de que os dados que devem coletar de seus usuários são absurdos.

Em uma análise feita pelo ProntonMail, eles a referem como sendo “uma mídia social extremamente perigosa”.

“Por essas razões, a nossa opinião é de que, de uma perspectiva de segurança e privacidade, o TikTok é uma mídia social extremamente perigosa. O potencial de coleta em massa de dados de centenas de milhões de adultos, adolescentes e crianças traz um grande risco à privacidade. Nós acreditamos que o TikTok deve ser visto com muito cuidado e, se isso lhe preocupa, você deve fortemente considerar deletá-lo, junto aos seus dados associados a ele.”

— Richie Koch

E ainda com todos os gastos que o TikTok teve durante esse tempo em que pagou para as pessoas criarem contas, segundo o The Wall Street Journal, a empresa ainda obteve um lucro de 34.3 Bilhões de Dólares em 2020, com um aumento de 93% em relação ao ano anterior. E voilà, nosso excedente!

Ignorância é uma Bênção… Para as BigTechs!

Assim como na mais-valia os capitalistas escondem ao máximo dos trabalhadores seus verdadeiros valores de trabalho, no capitalismo de vigilância as corporações necessitam que os usuários de seus serviços permaneçam ignorantes sobre suas tecnologias de aprendizado de máquina em cima dos dados coletados.

Por isso leis como a LGPD são muito importantes e devem ser fomentadas para termos o acesso a esse tipo de informação e, pelo menos, termos um maior controle sobre o que queremos, como usuários, compartilhar com a empresa.

Pretendo escrever no próximo artigo mais sobre como as BigTechs lucram com a desinformação e a radicalização da sociedade.